quinta-feira, março 02, 2006

Iberia















Iberia, um show de cinema sem diálogos...
Novo filme de Carlos Saura...
A Espanha é o flamenco. E o flamenco pode ser o clássico, o balé, o jazz. O cineasta Carlos Saura conseguiu mais uma vez criar um filme não-narrativo que passa o recado direitinho. Iberia: diversos números de dança, cada um remetendo a uma cidade ou região do país. Apesar de só ter sido exibido uma vez no Festival do Rio, com a presença do diretor, a película já foi comprada para exibição no mercado brasileiro - resta a definição sobre a data em que entrará em circuito. Talvez assuste imaginar um filme de duas horas apenas com dança e música, mas Iberia não deixa o ritmo cair. Totalmente filmado em estúdio, cada quadro é muito diferente do anterior, surpreendente, e tem fotografia e iluminação impecáveis.

Um dos destaques do filme é o solo de "El albaicín", em que a bailarina utiliza apenas um plástico transparente e que, com as luzes, consegue belos efeitos. Como foi a concepção deste número? "Um dia, estava em Barcelona, onde acontecia uma manifestação de rua. Esta mesma dançarina, Marta Carrasco, estava num palco, apresentando tal número. As pessoas que passavam não prestavam atenção, estavam distraídas, comendo, conversando. Eu gostei muito e resolvi incluí-lo no filme", conta. Obra do acaso O acaso talhou Iberia desde o princípio. A idéia era fazer um documentário sobre a pianista Rose Torres Pardo - especialista nas obras de Issac Albeníz, compositor do fim do século XIX. "Recebi essa proposta de um produtor, mas concluí que seria muito chato um filme inteiro com piano-solo, como são as música originais de Albeníz", conta Saura, que incluiu Rose em dois momentos do filme e homenageia o compositor, exibindo fotos suas no início e utilizando só composições dele, mas com ritmos da cultura espanhola. "Ele foi um dos poucos a trabalhar em várias partes da Espanha, o que se reflete em uma rica variação musical", explica. Esta é a segunda vez que o diretor vem ao Rio. Esteve aqui em 1999, para lançar "Tango". Apesar de amar a cidade, não tem amigos entre os novos diretores brasileiros e se esquiva da pergunta dizendo que é mais ligado aos filmes antigos. "Gosto muito do Rio. Para um estrangeiro, é tudo muito curioso, estranho, são grandes contrastes. Acho surpreendente a forma de se viver aqui". Mas se lembra de um grande amigo de outros tempos: "O Glauber (Rocha) era meu amigo, mesmo. Ele era maravilhosamente louco. Lembro-me de que, certa vez, ele estava dirigindo na Champs-Elysées, me viu caminhando, parou o carro repentinamente e começou a gritar meu nome. Foi uma confusão no trânsito de Paris!", recorda, sorrindo. Carlos Saura diz que foi muito prazeroso todo o processo da filmagem, mesmo sem o apoio de diálogos. "Sem um argumento, é mais difícil trabalhar, mas esse formato me dá uma grande liberdade", conta, com um ar de quem está sempre de bem com a vida, como um protagonista de musicais. Aliás, veio de um mestre do gênero um dos maiores elogios que ele já recebeu. "Certa vez, Robert Wise (diretor de A noviça rebelde e Amor, sublime amor) me elogiou por eu me dedicar a musicais. Disse que eu fazia um cinema que nunca existiu, em uma época em que os musicais já estavam extintos", revelou. Amor à tradição O passeio musical de Iberia passa por danças com ares urbanos, outros fortemente influenciados pelos mouros. Há danças e trajes coloridíssimos ou monocromáticos, o flamenco bem conhecido e outras danças, como a do Norte (terra de Saura) conhecida como "rota aragonesa", ou o "salsico basco", mais contido, em oposição a momentos muito sensuais, como os com a bailarina Sara Baras. Mas será que toda a Espanha preserva, com o mesmo afinco, a tradição musical/coreográfica? "Em algumas regiões, isso é mais forte. As sevillanas, que são os bailes populares, é comum pessoas de todas as idades se misturarem, dançando. Mas elas são mais comuns na Andaluzia, explica o diretor. E é justamente na representação de uma sevillena no novo filme que fica evidente a naturalidade com que meninos e meninas aprendem a fazer o corpo ser levado pelo flamenco. Mas se engana quem pensa que o amor às tradições e o pouco contato com diretores novos, mesmo os espanhóis, revela um diretor contrário à modernidade. Saura diz ser fã das novas tecnologias, ou melhor, de tudo o que elas podem fazer pelo cinema de arte. "É possível, agora, acompanhar perfeitamente o que está sendo filmado, saber exatamente como ficará na tela grande cada quadro", conta, o que faz todo o sentido para o consagrado diretor, que nesta obra tem cenas longas (para os padrões atuais) sem cortes. "Fado" Ao voltar a falar da diversidade cultural na terra de Cervantes, Carlos Saura faz um paralelo: a diferença dentro da própria Península Ibérica. "Estamos coladinhos à Portugal e não somos nem um pouco parecidos. Acho que a diferença está no nosso jeito mediterrâneo, enquanto os portugueses estão voltados para o Atlântico", comenta. A curiosidade pelo vizinho é o foco do próximo filme, "Fado", que vai retratar a música portuguesa, seguindo os moldes de Iberia, pelo menos em parte.